Conheci este poema, declamado por Dan Stulbach no filme "Tempos de Paz", e ele o fez com tal maestria e doçura que me vi presa de encanto, maravilhada. Tiro meu chapéu à interpretação magistral do artista e aplaudo em pé a beleza impar do poema.
"Ai miserável de mim e infeliz!
Apurar, ó céus, pretendo,
já que me tratais assim,
que delito cometi
contra vós outros, nascendo;
que, se nasci, já entendo
qual delito hei cometido:
bastante causa há servido
vossa justiça e rigor,
pois que o delito maior
do homem é ter nascido.
E só quisera saber,
para apurar males meus
deixando de parte, ó céus,
o delito de nascer,
em que vos pude ofender
por me castigardes mais?
Não nasceram os demais?
Pois se eles também nasceram,
que privilégios tiveram
como eu não gozei jamais?
Nasce a ave, e com as graças
que lhe dão beleza suma,
apenas é flor de pluma,
ou ramalhete com asas,
quando as etéreas plagas
corta com velocidade,
negando-se à piedade
do ninho que deixa em calma:
só eu, que tenho mais alma,
tenho menos liberdade?
Nasce a fera, e com a pele
que desenham manchas belas,
apenas signo é de estrelas
graças ao douto pincel,
quando atrevida e cruel,
a humana necessidade
lhe ensina a ter crueldade,
monstro de seu labirinto:
só eu, com melhor instinto,
tenho menos liberdade?
Nasce o peixe, e não respira,
aborto de ovas e lamas,
e apenas baixel de escamas
por sobre as ondas se mira,
quando a toda a parte gira,
num medir da imensidade
co'a tanta capacidade
que lhe dá o centro frio:
só eu, com mais alvedrio,
tenho menos liberdade?
Nasce o arroio, uma cobra
que entre as flores se desata,
e apenas, serpe de prata,
por entre as flores se desdobra,
já, cantor, celebra a obra da natura em piedade
que lhe dá a majestade
do campo aberto à descida:
só eu que tenho mais vida,
tenho menos liberdade?
Em chegando a esta paixão
um vulcão, um Etna feito,
quisera arrancar do peito
pedaços do coração.
Que lei, justiça, ou razão,
nega aos homens - ó céu grave!
privilégio tão suave,
exceção tão principal,
que Deus a deu a um cristal,
ao peixe, à fera, e a uma ave?"
MONÓLOGO DE SEGISMUNDO
(LA VIDA ES SUEÑO, Ato I, Cena I - de Pedro Calderón de la Barca)
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já que me tratais assim,
que delito cometi
contra vós outros, nascendo;
que, se nasci, já entendo
qual delito hei cometido:
bastante causa há servido
vossa justiça e rigor,
pois que o delito maior
do homem é ter nascido.
E só quisera saber,
para apurar males meus
deixando de parte, ó céus,
o delito de nascer,
em que vos pude ofender
por me castigardes mais?
Não nasceram os demais?
Pois se eles também nasceram,
que privilégios tiveram
como eu não gozei jamais?
Nasce a ave, e com as graças
que lhe dão beleza suma,
apenas é flor de pluma,
ou ramalhete com asas,
quando as etéreas plagas
corta com velocidade,
negando-se à piedade
do ninho que deixa em calma:
só eu, que tenho mais alma,
tenho menos liberdade?
Nasce a fera, e com a pele
que desenham manchas belas,
apenas signo é de estrelas
graças ao douto pincel,
quando atrevida e cruel,
a humana necessidade
lhe ensina a ter crueldade,
monstro de seu labirinto:
só eu, com melhor instinto,
tenho menos liberdade?
Nasce o peixe, e não respira,
aborto de ovas e lamas,
e apenas baixel de escamas
por sobre as ondas se mira,
quando a toda a parte gira,
num medir da imensidade
co'a tanta capacidade
que lhe dá o centro frio:
só eu, com mais alvedrio,
tenho menos liberdade?
Nasce o arroio, uma cobra
que entre as flores se desata,
e apenas, serpe de prata,
por entre as flores se desdobra,
já, cantor, celebra a obra da natura em piedade
que lhe dá a majestade
do campo aberto à descida:
só eu que tenho mais vida,
tenho menos liberdade?
Em chegando a esta paixão
um vulcão, um Etna feito,
quisera arrancar do peito
pedaços do coração.
Que lei, justiça, ou razão,
nega aos homens - ó céu grave!
privilégio tão suave,
exceção tão principal,
que Deus a deu a um cristal,
ao peixe, à fera, e a uma ave?"
MONÓLOGO DE SEGISMUNDO
(LA VIDA ES SUEÑO, Ato I, Cena I - de Pedro Calderón de la Barca)
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DO FILME "ALEMANHA, MÃE PALIDA" o poema homônimo:
ALEMANHA MÃE PÁLIDA (Bertolt Brecht)
Que outros falem da sua vergonha
eu falo da minha.
Ó Alemanha, pálida mãe!
Como apareces manchada
Entre as nações.
Entre os imundos
Te destacas
De teus filhos o mais pobre
Jaz abatido.
Quanto sua fome era grande
Teus outros filhos
Ergueram a mão contra ele.
Isto ficou notório.
Com as mãos assim
Erguidas contra seu irmão
Passeiam insolentes à tua volta
E riem na tua cara
Isto é sabido.
Em tua casa
Grita-se alto a mentira
Mas a verdade
Tem que calar.
Então é assim?
Por que te louvam os opressores em roda, mas
Os oprimidos te acusam?
Os explorados
Te apontam com o dedo, mas
Os exploradores elogiam o sistema
Engenhado em tua casa!
E nisso te vêem todos
Esconderes a barra do vestido, ensangüentada
Do sangue do teu
Melhor filho.
Ouvindo as falas que vêm da tua casa, rimos.
Mas quem te vê, corre a pegar a faca
Como à vista de um facínora.
Ó Alemanha, pálida mãe!
Como te trataram teus filhos.
Que assim apareces entre os povos
Um escárnio e um pavor!
(Brecht Poemas 1913 – 1956
Seleção e Tradução de Paulo César Souza
3ª edição – Editora Brasiliense)
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"ETERNO DRAMA"
Por que esse desencontro tão constante?
Por que tão raro o amor completo, inteiro?
Sempre uma alma a se dar toda, exultante,
e um frio coração por companheiro.
Sempre um a querer mais, a cada instante,
o desejo a queimar como braseiro;
e o outro apenas seguindo, ao lado, e adiante,
quase como um estranho caminheiro.
Um, tranqüilo, confiante, satisfeito;
o outro, o ciúme a levar no coração
como um cão a rosnar dentro do peito;
eis, a toda hora, o drama que desponta:
- há sempre um que ama, escravo da paixão,
e o que se deixa amar... sem se dar conta.
( Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro
"Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou"
Vol. IV - 1a edição 1965)
Por que tão raro o amor completo, inteiro?
Sempre uma alma a se dar toda, exultante,
e um frio coração por companheiro.
Sempre um a querer mais, a cada instante,
o desejo a queimar como braseiro;
e o outro apenas seguindo, ao lado, e adiante,
quase como um estranho caminheiro.
Um, tranqüilo, confiante, satisfeito;
o outro, o ciúme a levar no coração
como um cão a rosnar dentro do peito;
eis, a toda hora, o drama que desponta:
- há sempre um que ama, escravo da paixão,
e o que se deixa amar... sem se dar conta.
( Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro
"Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou"
Vol. IV - 1a edição 1965)
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